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Entrevista com César Charlone

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Diretor de fotografia de sucesso, César Charlone lança seu primeiro longa como diretor, O Banheiro do Papa. O filme é uma co-produção entre Brasil e Uruguai, terra natal do cineasta, que vive em São Paulo há mais de 30 anos. César aproveita seu prestígio no Brasil, tendo trabalhado em filmes como Cidade de Deus, pelo qual foi indicado ao Oscar de melhor fotografia, para dar mais visibilidade ao cinema uruguaio, já que ele acredita que os países latinos precisam estar mais unidos, apesar de haver poucos atrativos nos hispano-americanos para chamar a atenção do gigante Brasil.

Em seguida a O Banheiro do Papa, César apresenta o documentário Stranded no final do mês no festival É Tudo Verdade. Além disso, ele é o fotógrafo do aguardado Cegueira, a adaptação do best-seller de José Saramago, com direção de Fernando Meirelles. Charlone falou com exclusividade ao Guia da Semana sobre sua parceria na direção com o também uruguaio Enrique Fernandes, o cinema latino-americano, ética e sobre o filme de Meirelles. Confira a entrevista:

Como foi iniciar na direção em dupla?
César Charlone: A gente fez um trabalho muito detalhado e minucioso de discussão do roteiro, na preparação. Alugamos um apartamento em Montevidéu, discutimos muito cada personagem, cada coisinha, e chegamos em um acordo muito claro do que a gente queria do filme. Reescrevemos o roteiro junto, então a gente foi pro set já sabendo o que buscava. Acho que essa coisa de co-direção é muito boa. O projeto era mais do Enrique, a idéia era dele, mas, de repente eu tinha mais experiência cinematográfica para contar, então juntou a história dele com a minha experiência.

Você já o conhecia?
César Charlone: A gente se conheceu quando ele me pediu para entrar em contato com o Spike Lee, porque ele é afro-descendente uruguaio. Ele falou: “Ah! Sou o único afro-descendente uruguaio diretor de cinema, tenho certeza que o Spike Lee vai me adotar e vai me dar toda a grana para fazer um filme”, mas o Spike não deu bola. E a gente ficou em contato e ele falou: “Você não está a fim de ler um roteiro”, “Manda aí… Bacana seu roteiro, vamos fazer juntos?”. Eu disse que ia pra Montevidéu, que eu gostei dos personagens, mas que tinha que reescrever, que faltava ritmo, e que a gente podia fazer junto.

Mas foi proposital fazer o primeiro filme no Uruguai?
César Charlone: Tudo o que eu fiz de mais autoral tem alguma coisa a ver com meu passado, com meu lado uruguaio. Eu brinco muito que eu sou muito uruguaio. Eu não sou uruguaio, sou muito uruguaio. Tem uma coisa muito de orgulho do meu país, porque eu não posso morar nele. Não que eu não possa. O cinema não existia e eu tive que vir para cá estudar cinema e acabei gostando muito daqui, mas sempre fica aquela coisa de “deixei meu país”. Então tenho uma ligação muito forte, vou muito lá e ajudo em detalhes, por exemplo, o Cegueira do Fernando, eu empurrei para que a gente filmasse uma semana lá. Então a minha temática está ligada a isso, as coisas que eu tenho escrito…

Eu fiz um média-metragem em 1978 que eu não assino porque era época da ditadura, mas que tinha a ver, sobre o desaparecimento de crianças na Argentina, que tinham sido levadas pro Chile e que uma organização brasileira de direitos humanos ajudou a intervir. Então, sempre está ligado a essa temática. Então, quando pintou esse roteiro uruguaio, com personagens da minha vida, da minha infância, tinha tudo a ver. E as coisas que eu penso como roteiro estão ligadas a isso, sempre. O bom de ter sido fotografo é que como fotógrafo você é mais isento. Eu faço O Homem da Capa Preta, por exemplo, que é muito interessante, mas eu tenho uma visão mais de fora. Mas para contar uma história minha eu quero que tenha a ver com o meu passado, e o meu passado, uma grande parte é no Uruguai.

Como está o cinema uruguaio hoje?
César Charlone: Hoje escola de cinema é muito comum, mas naquela época não tinha escola de cinema. Eu queria estudar na América Latina, e as únicas duas que tinha era uma em Córdoba, na Argentina, e aqui no Brasil que tinha, em Belo Horizonte uma escola de comunicação e cinema e uma escola de cinema aqui em São Paulo. Então optei por vir para cá e fui ficando, foi crescendo minha relação com o Brasil e acabei ficando.

O Brasil tem poucas co-produções com países latinos. Ultimamente teve três, O Cobrador, do mexicano Paul Leduc, O Passado, do argentino Hector Babenco e o seu, O Banheiro do Papa. Nenhum deles com diretores brasileiros. Você acha que nós olhamos pouco para o resto da América Latina?
César Charlone: Os hispano-americanos têm mais curiosidade pelo Brasil do que o contrário. Porque o Brasil é um continente em si, e para abranger toda a sua cultura, para um brasileiro, já é difícil. E o Brasil é um país muito rico, muito interessante, então existe uma… Assim, o uruguaio conhece muito de cultura brasileira, não é como o que um brasileiro conhece da cultura uruguaia. Então eu acho que tem a ver com isso. Tem algumas co-produções no Rio Grande do Sul. Talvez esse seja o estado que é mais conectado com o centro do Mercosul, é o estado onde o Mercosul tem mais importância.

E qual a importância dessa sua parceria entre Brasil e Uruguai?
César Charlone: Para o Uruguai é fundamental, mas para o Brasil acho que não é tão importante. Um país de três milhões de habitantes corresponde a Guarulhos. Mas eu acho que é importante para a gente fortalecer uma cultura continental, a gente ter um projeto de uma cultura de um continente, um mercado comum de cinema, ter salas que exibem cinema latino-americano. Que o brasileiro saiba que está fazendo um filme não só para o povo brasileiro, mas para os seus irmãos, seus vizinhos. E estão atrás disso, estão atrás de ANCINE, tem procurado fortalecer os vínculos dos países do Mercosul quanto a cultura.

E como foi para um diretor de fotografia dirigir um filme?
César Charlone: Já faz um tempo que eu estava dirigindo comerciais, já fiz alguns clipes. E a prática da direção eu já tinha, porque você está no dia-a-dia, com a câmera, falando com os atores, com a produção, então foi como fazer a mesma coisa, mas mais a longo prazo. E eu já tinha dirigido documentários. E, por outro lado, não me considero diretor de fotografia dos mais típicos, no sentido de ser exclusivo, eu dou palpite, falo com o diretor, me meto na vida dos outros, então é meio que uma coisa natural isso.

O filme tem uma crítica forte à mídia, por que?
César Charlone: Acho que todas as profissões têm que ser exercidas com responsabilidade, e que em alguns lugares, no Brasil, de uns tempos pra cá com a coisa de que para você seguir na profissão tem que ter algum reconhecimento, faz com que se tenha um cuidado maior. Agora, não é todo lugar que tem isso, então, é muito fácil que um dono de jornal, um dono de rádio contrate uma pessoa mais inescrupulosa e com vontade de galgar estágios que lhe ascenda. Agora acho que está mais ético, estão tendo mais cuidado. Mas existiu uma tendência de parte da imprensa em ir para um lado mais amarelo, mais sensacionalista, no intuito de vender mais. Eu acho que tem não uma crítica à imprensa, mas uma crítica à falta de escrúpulos, que é um pouco o que alguns personagens têm da ética. Como a do Beto, que é uma ética que ele pode negociar com um contrabandista, mas não com outro não porque é da polícia.

E a menina também quer ser jornalista. Isso foi intencional?
César Charlone: Foi. Totalmente. Eu acho que a gente deve muito, do jeito que a gente está em termos de democracia, de avanços sociais para a imprensa. Eu acho o papel da imprensa fundamental. O próximo trabalho que eu estou escrevendo conta a história de crianças que desapareceram no ConeSul. As crianças e os pais teriam morrido se não fosse o trabalho corajoso do Luiz Carlos Cunha que era editor da Veja naquele momento e fez uma investigação mais profunda que a polícia. A polícia não tinha nenhum interesse em investigar porque estava metida no assunto. Então, eu não gostaria que ficasse a idéia de que o filme é uma crítica à imprensa como um todo. É um alerta para a imprensa se tocar de que ela tem que ser ética. Tem que agir com ética e com respeito porque tem nas mãos um quarto poder, que não foi escolhido pelo povo. Um quarto poder que um capital lhe deu e que tem que usar isso com responsabilidade.

O Banheiro do Papa é um filme sobre a esperança?
César Charlone: Eu acho que é um filme sobre sonhar, que é uma forma de ter esperança. Sobre ter sonhos. O sonho que eu tenho de fazer meu próximo filme, o sonho que você tem de que o site em que você trabalha cresça e vire internacional. A necessidade que a gente tem de sonhar para acordar todo dia e sair para a luta. A gente é movido a sonhos.

Mas nem sempre são sonhos possíveis…
César Charlone: É, a gente tem que sonhar o quase impossível, não o impossível. A gente tem que ter a consciência de que tem que sonhar, mas com algo possível. E o sonho deles, o sonho de ter uma moto não é algo absurdo. Pode parecer para a mulher dele, mas ele acha que pode comprar. Porque comprando ele vai fazer mais viagens. Tinha uma cena que era muito bonita que era ele contando isso: “Eu compro uma moto, com ela faço mais dinheiro, aí eu compro um boteco, daqui a pouco ele cresce e quem sabe, de repente a gente não acaba com um mercadinho…”, sabe? O cara vai crescendo, crescendo, crescendo no sonho. Todos sonhos possíveis, muito loucos, mas possíveis.

Como foram as filmagens?
César Charlone: As filmagens foram super tranqüilas porque a gente planificou muito, fomos muito para Melo, que é a cidade onde se origina a história, fica há 60km da fronteira do Brasil. Ensaiou algumas cenas. Como o Uruguai não tem tradição de cinema, eu tinha preocupação com os atores, de que fossem muito teatrais, mas eu negociei com a produção para levar daqui o preparador de atores. Eu já tinha trabalhado no Cidade dos Homens, no episódio em que eu dirigi, com o Chris Duurvoort, que é um amigão e me ajudou a preparar os atores. Ele foi pra lá e fez um trabalho maravilhoso. Levou os atores pro interior, para eles entenderem como é a coisa, e tal. Tanto o César, que é ator, quanto o Mário, que não é. Para eles entenderem a mentalidade. E ele preparou por um mês e meio e a gente visitou muito as locações, foi uma coisa bem planificada, que é uma coisa que eu sempre bato o pé de que o cinema pobre tem que compensar a falta de recursos com o que a gente tem de mais barato, que é o tempo. Então a gente fez muito isso, conversou muito com o Enrique. A filmagem foram três semanas em Melo, muito dedicadas, com toda cena da chegada do Papa, que teve uma movimentação grande. Depois fizemos três semanas em Montevidéu, todos os interiores para parecer que fosse Melo.

Quanto tempo durou no total o projeto?
César Charlone: O que demorou mais foi a montagem porque uma das condições que eu tinha posto para trabalhar era que o filme pudesse ser montado no Brasil para eu não ficar tanto tempo longe e pra dar uma cara um pouco brasileira para a finalização do filme, pra que fosse mais internacional. E eu trouxe o filme para cá, mas como era co-direção, eu tinha que mandar para o Enrique, para saber o que ele achava. Aí ele achava que eu tinha forçado a mão em um sentido, aí a gente mexia aqui, ele fazia um ensaio e mandava para a gente… Essa parte foi bem enrolada. Tudo, a gente filmou em 2005 e lançamos no ano passado. Foram 2 anos e meio.

E esse roteiro que você está escrevendo, você quer dirigir?
César Charlone: Sim, dirigir e fotografar. Vou fazer co-direção com uma amiga e a gente divide as funções.

Tem previsão de quando?
César Charlone: Não, a gente ainda está lendo livros, pensando. Tem a ver com a América Latina também, com esse momento. Mas ainda está muito no rascunho.

Quais outros projetos que você tem?
César Charlone: Eu senti que nesse último período, em que eu fiz filmes grandes, me deu vontade de fazer coisas um pouco menores. E eu fiz, vai estrear agora dia 26 de março no É Tudo Verdade, um filme que se chama Stranded, que conta a história de um avião, de jogadores de rugby uruguaios que iam jogar no Chile e caiu nos Andes e eles sobreviveram de comer os corpos dos colegas que tinham morrido. Foi um caso muito comentado, até a Disney fez um filme que se chama Vivos, mas ficção, e esse é um documentário, entrevistando os caras. Foi feito por um amigo meu e eu, em uma equipe mínima, câmera na mão, super enxuto e foi muito gostoso. E eu me reencontrei com o lado documentário que eu gosto muito. O documentário tem uma coisa bem legal que é mais divertido a hora de filmar. Você não sabe o que vai encontrar, você tem que ser partícipe dos fatos. Ficção não, você vai fazer a cena dos três cara conversando na varanda. Então caiu a luz, você vai pôr uma luz, mas já sabe o que vai fazer, então é mais “aborrido” como a gente falaria em espanhol, chato é meio pesado, mas é mais monótono. Então eu tive essa experiência com documentário e engatilhamos mais dois projetos com o Gonçalo, que é o diretor desse filme, e é quase uma co-direção, mas na verdade o filme é dele. Mas eu ajudo muito no set, o que me diverte muito e depois ele monta. A gente está pensando em fazer mais dois trabalhos nesse formato. Um documentário sobre o Hugo Chaves, que estou muito seduzido porque acho interessante a figura. E o outro é sobre a América Latina, os recursos naturais da América Latina. Todos longas, formato televisão. E tem também outro que estou fazendo com uma amiga sobre Cuba.

Como está o Cegueira?
César Charlone: O Cegueira está com a montagem praticamente pronta, agora entrou no processo de finalização, a gente vai fazer a correção de luz no Canadá, e vai tratar de som, luz e deve ficar pronto em maio. Eu vi um corte que me mostraram e está muito bacana.

E como é fotografar um filme onde quase todos são cegos?
César Charlone: Na verdade nem precisava de fotógrafo, era só pôr uma ponta preta e estava tudo bem, né? (risos) Não, a gente conversou muito com o Fernando e a gente foi, mais do que nossa viagem particular, a gente foi na viagem do Saramago. Ele fala da cegueira branca, do mar de leite, tudo isso, então a gente foi um pouco nessa praia e fizemos uma coisa um pouco esbranquiçada. Por momentos, senão fica muito chato.



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